segunda-feira, 14 de março de 2016

Bases para analisar criticamente as manifestações

Brasil I, enorme
Pela segunda vez estou longe do país num período de acirramento de polarizacão política. Olho de longe, com os riscos e benefícios da distância. Algumas questões preliminares, que eu não gostaria que virassem o paupérrimo Fla-Flu que domina nas redes (você é ladrão! você é elitista!). O debate está pobre e virou apenas adjetivação. Ficou longo. Perdão.
01) polarização política ocorre algumas vezes na história do Brasil. Não é nossa tradição. Mas houve em 1935 (ANL x AIB); 1964 (esquerda e direita) e, notavelmente, a partir do segundo turno das eleições presidenciais entre Dilma e Aecio. Não é comum. Nossa tradição é a violência nas bases e acordo no topo, ou seja, repressão social e conciliação de elites.
02) existem vários projetos para o Brasil, o que reflete nossa diversidade regional, social e cultural. Dizem respeito a diversas interpretações do papel do Estado , da desigualdade social e da noção de democracia. Somos um país diverso e artificial como todo Estado-Nação. Nem sempre a costura social e a uniformiza ção funcionam.
03) Em alguns momentos, a noção de política vai para as ruas. Em si, isto é positivo. Nos movimentos conservadores ou de esquerda (exemplos: o tea party dos EUA ou os sovietes de 1905 da Rússia) , por vezes, os partidos não conseguem abarcar toda a noção de poder e de política. Isto não é ruim.
04) Nenhum movimento luta por bandeiras abertamente negativas.Tirando, claro, agentes corruptos de política, as pessoas que estão na rua, CONTRA OU A FAVOR de uma determinada situação, acreditam estar em nome de algo melhor, uma noção de pátria mais justa ou mais honesta, de mais democracia ou de crescimento, de justiça social ou de punição aos corruptos. Importante que todos saibam sempre isto: meus inimigos (com a exceção citada do agente abertamente corrupto) TAMBÉM desejam o melhor para o país, mas o melhor dele é distinto do meu. Claro e óbvio: só a minha visão é a correta e a boa. Os outros são vagabundos, ladrões, elitistas, coxinhas, petralhas, corruptos, etc
Feita esta distinção inicial, vamos ao "do or don't"
a) Pode se manifestar nas formas da lei. Não pode destruir patrimônio alheio, invadir espaços privados, atacar fisicamente ninguém. A opinião é livre, os atos excessivos são mostras de descontrole e totalitarismo (seja de esquerda ou de direita).
b) É lícito pedir que um político seja destituído do cargo nas formas da lei. É meu direito pedir isto. É atributo do Legislativo e do Judiciário levarem adiante isto. A pressão e democrática, a decisão democrática cabe aos que legalmente foram instituídos para isto.
c) eu não sou neutro, a justiça não é neutra, o congresso não é neutro, as igrejas não são neutras. Eu, o juiz Moro, Lula, o papa Francisco, Dilma, a mãe de santo, o pároco, o sindicalista, você e a socialite: todos estamos inseridos numa classe social e manifestamos um mundo que corresponde ao que mais me beneficia. Neutralidade só existe no sabão de coco. A democracia permite que uma subjetividade não seja a única possível.
d) Podemos pedir aperfeiçoamento da Democracia Isto é muito bom. Não pode pedir intervenção militar. Por quê? Porque a constituição brasileira determina, nas suas cláusulas pétreas, que o Brasil é um Estado de Direito e NUNCA cabe às forças armadas assumirem o executivo. Pedir isto é cometer crime CONSTITUCIONAL, similar a defender pedofilia, homicídio etc. Lutar por crime é crime. Você pode não gostar da constituição de 1988, então lute por uma nova assembleia constituinte que estabeleça a tutela militar sobre o país. Dentro do atual quadro jurídico isto é crime.
e) minha ideia, é claro, é sempre e a melhor de todas. Mas ela não pode, nunca, impedir o contraditório. O Contraditório é a forma básica da democracia. Todos devem ter espaço e vez e minha posição não pode ser excludente da outra humanidade. OU seja: tenho direito a querer comer só alfaces colhidas ao luar cantando mantras, mas não posso querer matar quem come ervilhas flambadas. Simples. Não gosta do contraditório? Parabéns: você está ao lado de monstros, conservadores ou de esquerda, como Pinochet, Médici, Hitler, Stálin, Pol Pot e outros. Tem horror a manifestações? Vá para a Coreia do Norte, lá elas não existem. A democracia é árdua, frágil e só existe PORQUE existe o outro lado.

Texto de Leandro Karnal - historiador - via Facebook
fonte: https://www.facebook.com/prof.leandrokarnal/posts/1690653354510363

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Bases para analisar criticamente as manifestações

Brasil I, enorme
Pela segunda vez estou longe do país num período de acirramento de polarizacão política. Olho de longe, com os riscos e benefícios da distância. Algumas questões preliminares, que eu não gostaria que virassem o paupérrimo Fla-Flu que domina nas redes (você é ladrão! você é elitista!). O debate está pobre e virou apenas adjetivação. Ficou longo. Perdão.
01) polarização política ocorre algumas vezes na história do Brasil. Não é nossa tradição. Mas houve em 1935 (ANL x AIB); 1964 (esquerda e direita) e, notavelmente, a partir do segundo turno das eleições presidenciais entre Dilma e Aecio. Não é comum. Nossa tradição é a violência nas bases e acordo no topo, ou seja, repressão social e conciliação de elites.
02) existem vários projetos para o Brasil, o que reflete nossa diversidade regional, social e cultural. Dizem respeito a diversas interpretações do papel do Estado , da desigualdade social e da noção de democracia. Somos um país diverso e artificial como todo Estado-Nação. Nem sempre a costura social e a uniformiza ção funcionam.
03) Em alguns momentos, a noção de política vai para as ruas. Em si, isto é positivo. Nos movimentos conservadores ou de esquerda (exemplos: o tea party dos EUA ou os sovietes de 1905 da Rússia) , por vezes, os partidos não conseguem abarcar toda a noção de poder e de política. Isto não é ruim.
04) Nenhum movimento luta por bandeiras abertamente negativas.Tirando, claro, agentes corruptos de política, as pessoas que estão na rua, CONTRA OU A FAVOR de uma determinada situação, acreditam estar em nome de algo melhor, uma noção de pátria mais justa ou mais honesta, de mais democracia ou de crescimento, de justiça social ou de punição aos corruptos. Importante que todos saibam sempre isto: meus inimigos (com a exceção citada do agente abertamente corrupto) TAMBÉM desejam o melhor para o país, mas o melhor dele é distinto do meu. Claro e óbvio: só a minha visão é a correta e a boa. Os outros são vagabundos, ladrões, elitistas, coxinhas, petralhas, corruptos, etc
Feita esta distinção inicial, vamos ao "do or don't"
a) Pode se manifestar nas formas da lei. Não pode destruir patrimônio alheio, invadir espaços privados, atacar fisicamente ninguém. A opinião é livre, os atos excessivos são mostras de descontrole e totalitarismo (seja de esquerda ou de direita).
b) É lícito pedir que um político seja destituído do cargo nas formas da lei. É meu direito pedir isto. É atributo do Legislativo e do Judiciário levarem adiante isto. A pressão e democrática, a decisão democrática cabe aos que legalmente foram instituídos para isto.
c) eu não sou neutro, a justiça não é neutra, o congresso não é neutro, as igrejas não são neutras. Eu, o juiz Moro, Lula, o papa Francisco, Dilma, a mãe de santo, o pároco, o sindicalista, você e a socialite: todos estamos inseridos numa classe social e manifestamos um mundo que corresponde ao que mais me beneficia. Neutralidade só existe no sabão de coco. A democracia permite que uma subjetividade não seja a única possível.
d) Podemos pedir aperfeiçoamento da Democracia Isto é muito bom. Não pode pedir intervenção militar. Por quê? Porque a constituição brasileira determina, nas suas cláusulas pétreas, que o Brasil é um Estado de Direito e NUNCA cabe às forças armadas assumirem o executivo. Pedir isto é cometer crime CONSTITUCIONAL, similar a defender pedofilia, homicídio etc. Lutar por crime é crime. Você pode não gostar da constituição de 1988, então lute por uma nova assembleia constituinte que estabeleça a tutela militar sobre o país. Dentro do atual quadro jurídico isto é crime.
e) minha ideia, é claro, é sempre e a melhor de todas. Mas ela não pode, nunca, impedir o contraditório. O Contraditório é a forma básica da democracia. Todos devem ter espaço e vez e minha posição não pode ser excludente da outra humanidade. OU seja: tenho direito a querer comer só alfaces colhidas ao luar cantando mantras, mas não posso querer matar quem come ervilhas flambadas. Simples. Não gosta do contraditório? Parabéns: você está ao lado de monstros, conservadores ou de esquerda, como Pinochet, Médici, Hitler, Stálin, Pol Pot e outros. Tem horror a manifestações? Vá para a Coreia do Norte, lá elas não existem. A democracia é árdua, frágil e só existe PORQUE existe o outro lado.

Texto de Leandro Karnal - historiador - via Facebook
fonte: https://www.facebook.com/prof.leandrokarnal/posts/1690653354510363