terça-feira, 15 de setembro de 2015

(Rubem Alves - Perguntaram-Me Se Acredito em Deus)

"É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida. Não precisamos dizer o nome ´rosa` para sentir o seu perfume. Muitas pessoas que jamais pronunciam o nome de Deus o conhecem como reverência pela vida. Há pessoas que se sentem religiosas por acreditar em Deus. De que vale isso? Os demônios também acreditam e estremecem ao ouvir o seu nome (Tiago 2.19). Os homens religiosos, quando alguém morre, dizem: ´Deus o levou para si`. Então, enquanto vivo, ele estava distante de Deus? Deus é Deus dos mortos ou Deus dos vivos? Deus não mora no mundo dos mortos. Ele mora no nosso mundo, passeia pelo jardim. Deus é beleza. Quer ver Deus? Veja a beleza do Sol que se põe, sem pensar em Deus. Quer ouvir Deus? Entregue-se à beleza da música, sem pensar em Deus. Quer sentir o cheiro de Deus? Respire fundo o cheiro do jasmim, sem pensar em Deus. Quer saber como é o coração de Deus? Empurre uma criança num balanço porque Deus tem um coração de criança, sem pensar em Deus. Há beleza demais no Universo. Mas o tempo vai-nos roubando as coisas que amamos. Vai-se o arbusto, vai-se a montanha, vão-se os riachos cristalinos, vão-se as pessoas amadas, vamos nós… O tempo é um monstro que devora os seus filhos. Fica a saudade. Saudade é a presença da ausência das coisas que amamos e nos foram roubadas pelo tempo. Quando se pronuncia o nome sagrado, está-se afirmando que a beleza amada não está perdida no passado. Está escrito num poema sagrado: ´Lança o teu pão sobre as águas porque depois de muitos dias o encontrarás…` (Eclesiastes 11.1). As águas dos rios são circulares, o tempo é circular, o que foi perdido volta, um eterno retorno… Deus existe para nos curar da saudade… Eu gostaria de dar um conselho: ´Não sejam curiosos a respeito de Deus, pois eu sou curioso sobre todas as coisas e não sou curioso a respeito de Deus. Não há palavra capaz de dizer quando eu me sinto em paz perante Deus e a morte. Escuto e vejo Deus em todos os objetos, embora de Deus eu não entenda nem um pouquinho… Eu vejo Deus em cada uma das vinte e quatro horas e em cada instante de cada uma delas, nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo Deus…` (Walt Whitman) ´Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos, e dar-nos-á verdor na sua primavera e um rio aonde ir ter quando acabemos` (Alberto Caeiro)"

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(Rubem Alves - Perguntaram-Me Se Acredito em Deus)

"É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida. Não precisamos dizer o nome ´rosa` para sentir o seu perfume. Muitas pessoas que jamais pronunciam o nome de Deus o conhecem como reverência pela vida. Há pessoas que se sentem religiosas por acreditar em Deus. De que vale isso? Os demônios também acreditam e estremecem ao ouvir o seu nome (Tiago 2.19). Os homens religiosos, quando alguém morre, dizem: ´Deus o levou para si`. Então, enquanto vivo, ele estava distante de Deus? Deus é Deus dos mortos ou Deus dos vivos? Deus não mora no mundo dos mortos. Ele mora no nosso mundo, passeia pelo jardim. Deus é beleza. Quer ver Deus? Veja a beleza do Sol que se põe, sem pensar em Deus. Quer ouvir Deus? Entregue-se à beleza da música, sem pensar em Deus. Quer sentir o cheiro de Deus? Respire fundo o cheiro do jasmim, sem pensar em Deus. Quer saber como é o coração de Deus? Empurre uma criança num balanço porque Deus tem um coração de criança, sem pensar em Deus. Há beleza demais no Universo. Mas o tempo vai-nos roubando as coisas que amamos. Vai-se o arbusto, vai-se a montanha, vão-se os riachos cristalinos, vão-se as pessoas amadas, vamos nós… O tempo é um monstro que devora os seus filhos. Fica a saudade. Saudade é a presença da ausência das coisas que amamos e nos foram roubadas pelo tempo. Quando se pronuncia o nome sagrado, está-se afirmando que a beleza amada não está perdida no passado. Está escrito num poema sagrado: ´Lança o teu pão sobre as águas porque depois de muitos dias o encontrarás…` (Eclesiastes 11.1). As águas dos rios são circulares, o tempo é circular, o que foi perdido volta, um eterno retorno… Deus existe para nos curar da saudade… Eu gostaria de dar um conselho: ´Não sejam curiosos a respeito de Deus, pois eu sou curioso sobre todas as coisas e não sou curioso a respeito de Deus. Não há palavra capaz de dizer quando eu me sinto em paz perante Deus e a morte. Escuto e vejo Deus em todos os objetos, embora de Deus eu não entenda nem um pouquinho… Eu vejo Deus em cada uma das vinte e quatro horas e em cada instante de cada uma delas, nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo Deus…` (Walt Whitman) ´Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos, e dar-nos-á verdor na sua primavera e um rio aonde ir ter quando acabemos` (Alberto Caeiro)"