terça-feira, 30 de junho de 2015

Sobre casamento, modelo de família e igreja cristã: um pouco de história.




A questão do casamento se está no âmbito dos direitos civis, tem muito pouco a ver com religião, a não ser como rito de passagem. Por que a religião se importa tanto com isso?
Há muitas noções de família e de casamento no decorrer da história. Na própria Bíblia hebraica, os grandes líderes são polig^amicos (será que quando alguns mencionam um modelo cristão de família consideram isso?). Mas, para ficar mais restrito à história, é a partir do século XVII e XVIII que noção de família (pai, mãe e filhos) que temos hoje se estabelece. A noção anterior de núcleo familiar era bem mais ampla (incluía agregados, primos etc – figura abaixo). Até então, por exemplo, casamento pouco tinha a ver com o amor. Ele uma forma de selar acordos em famílias, continuidade do nome (Luís XVI sofre bastante na língua do povo por ter demorado a ter filho, sucessor no trono), descendência, forma de diminuir o desejo sexual, etc. Aliás, o cristianismo em sua origem considerou o casamento negativamente: “remédio à concupiscência”, “alternativa à danação para os incontinentes”, forma de conter a volúpia e, portanto, a desordem. Era solução para aqueles que não conseguem o estado superior do celibato (1Co 7,7-8). De todo modo, na grande maioria dos casos não envolvia sentimento entre os cônjuges e muito menos exigência de fidelidade.
Em segundo lugar, também pouco tinha a ver com religião. Na Idade Média europeia, até o século XI e XII, o casamento era uma cerimônia privada (que reunia amigos e parentes), normalmente conduzida pelo pai (ou tio) da noiva e realizado em casa. A função ritual do padre (quando havia) era apenas benzer o leito dos amantes, no cair da noite, a fim de que a “semente” frutificasse. A partir do século XII, a igreja começa a se ocupar com o tema, principalmente destacando a indissolubilidade do casamento (insiste-se no seu caráter sacramental). Isso tinha a ver também com o fato de que casamento (principalmente entre os nobres) era um contrato entre duas famílias. Com isso, o contrato não poderia ser desfeito a qualquer momento, garantindo certa estabilidade.
Logo depois, a luta de séculos foi no sentido de se enfatizar o aspecto institucional e público do casamento. Isso não quer dizer que a igreja não tentava regulamentar a vida sexual. Há muitos textos normativos sobre sexualidade e família, escritos em grande parte por homens e celibatários, com pouca experiência prática no tema. A cerimônia privada e familiar passa a sofrer mudança, por exemplo, no espaço. Ela não é mais realizada no âmbito privado da casa, mas desloca-se para o espaço público. No fim da Idade Média, a cerimônia era feita nas portas das igrejas ou mesmo cemitérios. É somente no século XVII que entra para o interior da igreja, indicando como a questão tinha se tornado um problema religioso.
Esse ponto se refere aos nobres. No caso dos habitantes do campo e da cidade, quando muito, havia algum ritual bastante simples. No mais das vezes, não havia ritual nenhum.
Séculos mais tarde, as coisas mudam um pouco com a separação de estado e igreja. No Brasil, por exemplo, a igreja não casa ninguém. Ela abençoa um ato que se realiza fora do âmbito religioso.
O que quero dizer com isso? Ora, há muitas concepções de família, casamento, etc. Mas, mais do que isso, é questão de direito civil. Há uma história que indica como ele se tornou objeto de preocupação das instituições eclesiástica. As práticas rituais são bom indício desse movimento. Assim como foi feito, ele é desfeito (aliás, as práticas atuais indicam muito bem isso. Para muitos, casamento volta a ser questão privada). Assim, ao meu ver, a questão se relaciona com cidadãos num estado de direito. Não vejo como isso pode ameaçar a fé de alguém. Basta conhecer um pouco da própria tradição cristã. Também, não me parece que seja a destruição da “família”. É, certamente, mais uma mudança de várias (não é a primeira e não será a última) na compreensão de família, afinal, a história continua...


Frederico Pieper Pires
https://www.facebook.com/frederico.pieperpires/posts/866675040073672

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Sobre casamento, modelo de família e igreja cristã: um pouco de história.




A questão do casamento se está no âmbito dos direitos civis, tem muito pouco a ver com religião, a não ser como rito de passagem. Por que a religião se importa tanto com isso?
Há muitas noções de família e de casamento no decorrer da história. Na própria Bíblia hebraica, os grandes líderes são polig^amicos (será que quando alguns mencionam um modelo cristão de família consideram isso?). Mas, para ficar mais restrito à história, é a partir do século XVII e XVIII que noção de família (pai, mãe e filhos) que temos hoje se estabelece. A noção anterior de núcleo familiar era bem mais ampla (incluía agregados, primos etc – figura abaixo). Até então, por exemplo, casamento pouco tinha a ver com o amor. Ele uma forma de selar acordos em famílias, continuidade do nome (Luís XVI sofre bastante na língua do povo por ter demorado a ter filho, sucessor no trono), descendência, forma de diminuir o desejo sexual, etc. Aliás, o cristianismo em sua origem considerou o casamento negativamente: “remédio à concupiscência”, “alternativa à danação para os incontinentes”, forma de conter a volúpia e, portanto, a desordem. Era solução para aqueles que não conseguem o estado superior do celibato (1Co 7,7-8). De todo modo, na grande maioria dos casos não envolvia sentimento entre os cônjuges e muito menos exigência de fidelidade.
Em segundo lugar, também pouco tinha a ver com religião. Na Idade Média europeia, até o século XI e XII, o casamento era uma cerimônia privada (que reunia amigos e parentes), normalmente conduzida pelo pai (ou tio) da noiva e realizado em casa. A função ritual do padre (quando havia) era apenas benzer o leito dos amantes, no cair da noite, a fim de que a “semente” frutificasse. A partir do século XII, a igreja começa a se ocupar com o tema, principalmente destacando a indissolubilidade do casamento (insiste-se no seu caráter sacramental). Isso tinha a ver também com o fato de que casamento (principalmente entre os nobres) era um contrato entre duas famílias. Com isso, o contrato não poderia ser desfeito a qualquer momento, garantindo certa estabilidade.
Logo depois, a luta de séculos foi no sentido de se enfatizar o aspecto institucional e público do casamento. Isso não quer dizer que a igreja não tentava regulamentar a vida sexual. Há muitos textos normativos sobre sexualidade e família, escritos em grande parte por homens e celibatários, com pouca experiência prática no tema. A cerimônia privada e familiar passa a sofrer mudança, por exemplo, no espaço. Ela não é mais realizada no âmbito privado da casa, mas desloca-se para o espaço público. No fim da Idade Média, a cerimônia era feita nas portas das igrejas ou mesmo cemitérios. É somente no século XVII que entra para o interior da igreja, indicando como a questão tinha se tornado um problema religioso.
Esse ponto se refere aos nobres. No caso dos habitantes do campo e da cidade, quando muito, havia algum ritual bastante simples. No mais das vezes, não havia ritual nenhum.
Séculos mais tarde, as coisas mudam um pouco com a separação de estado e igreja. No Brasil, por exemplo, a igreja não casa ninguém. Ela abençoa um ato que se realiza fora do âmbito religioso.
O que quero dizer com isso? Ora, há muitas concepções de família, casamento, etc. Mas, mais do que isso, é questão de direito civil. Há uma história que indica como ele se tornou objeto de preocupação das instituições eclesiástica. As práticas rituais são bom indício desse movimento. Assim como foi feito, ele é desfeito (aliás, as práticas atuais indicam muito bem isso. Para muitos, casamento volta a ser questão privada). Assim, ao meu ver, a questão se relaciona com cidadãos num estado de direito. Não vejo como isso pode ameaçar a fé de alguém. Basta conhecer um pouco da própria tradição cristã. Também, não me parece que seja a destruição da “família”. É, certamente, mais uma mudança de várias (não é a primeira e não será a última) na compreensão de família, afinal, a história continua...


Frederico Pieper Pires
https://www.facebook.com/frederico.pieperpires/posts/866675040073672