domingo, 16 de março de 2014

Crônicas de uma Divorciada


1.    Vestida para arrumar marido


            Ontem me perguntaram se eu estava vestida para arrumar marido.
            - Você não me viu vestida para arrumar marido, querido. – Foi a minha resposta a um caro amigo.
            Fiquei com aquilo na cabeça. Talvez fosse a ajuda que eu precisava para iniciar um projeto que minha irmã plantou (talvez sem o saber) em minha cabeça e coração há uns dias atrás: começar a escrever as “Crônicas de uma divorciada”.
            E cá estou eu, ouvindo Michael Jackson e Fun., me inspirando e respirando um pouco entre um plano de aula de Hebraico e o texto de minha dissertação de Mestrado em Teologia.
            Considero-me uma mulher normal, apesar de tudo. Mais do que já me considerei anteriormente. Hoje, aos trinta e cinco anos, divorciada há três, sozinha há cinco, desde que retornei da África. Mas há tempo para falarmos disso. Voltemos ao assunto do momento: vestida para arrumar marido.
            Tenho aprendido o valor de uma roupa. A cada dia descubro o poder que um uniforme exerce sobre uma pessoa, a magia que existe no papel assumido quando se escolhe determinada cor, o comprimento do vestido, o jogo de sobreposições. Tenho aprendido a ser mais sóbria, consciente de mim mesma, de marcar presença e valorizar cada momento, escolhendo um traje apropriado. Mas, será que existe a tal roupa para arrumar marido?
            Quando conheci meu ex (que Deus o tenha, mesmo em vida), eu de longe era preocupada com a aparência. É claro que eu sabia que a visão é um sentido importante para os homens, mas somente o namoro e o casamento me trouxeram a sensibilidade e afloraram em mim a criatividade da provocação. Pitadas de sutilezas começaram a surgir, transparências propositais, detalhes em renda, cetim, contrastes, como uma festa à fantasia num jogo de esconde-esconde, onde só sai perdendo quem assim o desejar.
            A cor da lingerie, o tecido macio sobre a pele, o conforto e a exuberância de um vestido, são como pincéis desenhando sobre nosso corpo a tela que desejamos expor ao mundo naquele momento. Somos, portanto, artistas do dia-a-dia, pintando e enfeitiçando as almas famintas com o que temos à disposição: nós mesmos.
            Já me vesti tentando ser hippie, rebelde, desleixada (sim, de propósito), roqueira, maloqueira, desarrumada, fui acidentalmente de pantufas para a escola, não gosto de Havaianas, prefiro Rider, e definitivamente amo vestidos, de tecido fresco, esvoaçante. Sinto falta de calças pantalonas, pelo estilo e pelo conforto. E, como tenho seios fartos, preciso ter atenção ao sutiã ou soutien (do francês soutien: suporte) e aos decotes.
            Se tem algo que aprecio hoje em dia é uma boa escolha, e as roupas se tornaram, ainda que não minha prioridade, um detalhe importante no jogo da vida, onde cada um exerce seu papel, escolhe a sua máscara e atua em defesa de todas as suas convicções. É por isso que não me vesti para arrumar um marido ontem à noite, mas com certeza tive a intenção de ser notada.

Angela Natel

Março de 2014

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Crônicas de uma Divorciada


1.    Vestida para arrumar marido


            Ontem me perguntaram se eu estava vestida para arrumar marido.
            - Você não me viu vestida para arrumar marido, querido. – Foi a minha resposta a um caro amigo.
            Fiquei com aquilo na cabeça. Talvez fosse a ajuda que eu precisava para iniciar um projeto que minha irmã plantou (talvez sem o saber) em minha cabeça e coração há uns dias atrás: começar a escrever as “Crônicas de uma divorciada”.
            E cá estou eu, ouvindo Michael Jackson e Fun., me inspirando e respirando um pouco entre um plano de aula de Hebraico e o texto de minha dissertação de Mestrado em Teologia.
            Considero-me uma mulher normal, apesar de tudo. Mais do que já me considerei anteriormente. Hoje, aos trinta e cinco anos, divorciada há três, sozinha há cinco, desde que retornei da África. Mas há tempo para falarmos disso. Voltemos ao assunto do momento: vestida para arrumar marido.
            Tenho aprendido o valor de uma roupa. A cada dia descubro o poder que um uniforme exerce sobre uma pessoa, a magia que existe no papel assumido quando se escolhe determinada cor, o comprimento do vestido, o jogo de sobreposições. Tenho aprendido a ser mais sóbria, consciente de mim mesma, de marcar presença e valorizar cada momento, escolhendo um traje apropriado. Mas, será que existe a tal roupa para arrumar marido?
            Quando conheci meu ex (que Deus o tenha, mesmo em vida), eu de longe era preocupada com a aparência. É claro que eu sabia que a visão é um sentido importante para os homens, mas somente o namoro e o casamento me trouxeram a sensibilidade e afloraram em mim a criatividade da provocação. Pitadas de sutilezas começaram a surgir, transparências propositais, detalhes em renda, cetim, contrastes, como uma festa à fantasia num jogo de esconde-esconde, onde só sai perdendo quem assim o desejar.
            A cor da lingerie, o tecido macio sobre a pele, o conforto e a exuberância de um vestido, são como pincéis desenhando sobre nosso corpo a tela que desejamos expor ao mundo naquele momento. Somos, portanto, artistas do dia-a-dia, pintando e enfeitiçando as almas famintas com o que temos à disposição: nós mesmos.
            Já me vesti tentando ser hippie, rebelde, desleixada (sim, de propósito), roqueira, maloqueira, desarrumada, fui acidentalmente de pantufas para a escola, não gosto de Havaianas, prefiro Rider, e definitivamente amo vestidos, de tecido fresco, esvoaçante. Sinto falta de calças pantalonas, pelo estilo e pelo conforto. E, como tenho seios fartos, preciso ter atenção ao sutiã ou soutien (do francês soutien: suporte) e aos decotes.
            Se tem algo que aprecio hoje em dia é uma boa escolha, e as roupas se tornaram, ainda que não minha prioridade, um detalhe importante no jogo da vida, onde cada um exerce seu papel, escolhe a sua máscara e atua em defesa de todas as suas convicções. É por isso que não me vesti para arrumar um marido ontem à noite, mas com certeza tive a intenção de ser notada.

Angela Natel

Março de 2014