segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Avatar, o filme


Eduardo Ribeiro Mundim



Avatar, o filme, traz alguns pontos provocantes. Não há dúvida sobre o visual, belíssimo (seja natural ou da tela do computador). Aceito a adequação do idioma criado especificamente para os Na'vi. Entendo a propaganda que diz ser o filme um marco, do ponto de vista técnico.

Mas o roteiro peca, em alguns momentos importantes.

A solução militar não combina com a imagem paradisíaca do lugar. Ok, os Na'vi são guerreiros, mas não me pareceu que fazem da guerra uma arte. Antes, do saber viver integrado ao mundo que habitam, aceitando a caça como modo de adquirir alimento, sem deixar de sentir tristeza pelo fato - mas justificando-o pelo retorno da "energia" à fonte original. Como ele faz referência a outros universos (os livros "Eragon" e "O Senhor dos anéis", a trilogia "Matrix", o filme "Dança com lobos"), poderia tê-los criado vegetarianos como os elfos. Naquelas mitologias, guerreiros quando necessário, mas habitualmente pacíficos.

É particularmente irritante a cópia do comportamento estereotipado dos indígenas nos filmes de faroeste - o som emitido pelos Na'vi convidando para a batalha é plágio evidente.

Infelizmente Jake Sully torna-se um habitante de Pandora de "corpo e alma" por necessidade, e não por livre escolha. Talvez o maior erro do roteiro, preso talvez a "Dança com lobos". "Transfere-se" para seu avatar porque seu corpo não tem mais chances de sobrevivência na atmosfera de dióxido de carbono, metano e amônia. Poderia, de livre e espontânea vontade, rompido seus laços com os humanos ao decidir lutar, até a morte, contra eles. Muito além de uma "conversão" mais politicamente correta, deixaria clara a opção por um modo de vida, e valores, absolutamente diferentes daqueles no qual fora criado.

Sendo tão alicerçado nos faroestes, não há como escapar das lições da história: os brancos sempre venceram. Venceram porque tinha uma superioridade tecnológica e eram em número cada vez maiores que os índios norte-americanos. Venceram porque tinham uma ambição de expansão (a aventura) e uma justificativa (fazer dinheiro). Os humanos perderam, no filme, uma batalha; mas perderam a guerra? A solução militar encontrada fica provisória, com promessa de mais destruição (e provável derrota), se houver continuação; ou no imaginário do espectador, na falta desta.

A história também é presa ao maniqueismo habitual, onde aqueles que detêm o poder entre os humanos, nada aprendem. Nos últimos anos o conceito de "desenvolvimento sustentável" tem sido debatido e objeto de experimentos de viabilidade. James Cameron quis transmitir com o filme a expectativa que estes esforços atuais falharão? Desejou apenas fornecer momentos de entretenimento estético sem preocupação com o conteúdo, ou com alguma mensagem de esperança? Ou é basicamente pessimista? Pessimismo não é, exatamente, o que impulsionou seu último sucesso, "Titanic".

Há pelo menos uma provocação bioética: "vejam, um demônio com corpo mas sem alma" (segundo minha lembrança da cena), brada Tsu'Tey, futuro líder do clã Omaticaya. Quando Jake tem sua ligação com o corpo avatar interrompida, este desaba no solo, "sem alma". É possível criar corpos "sem vida" (ou seja, "sem alma"?). Como no primeiro filme da trilogia Matrix, é possível manter corpos funcionando sem vida relacional, onde os corpos, e não só a vida psicológica, está envolvida? (Em Matrix, os corpos que serviam como fonte de eletricidade para as máquinas eram mantidos em repouso, mas eles sonhavam que viviam, e se inter-relacionavam com os demais corpos apenas nos sonhos, sem envolvimento biológico real).

Mas talvez a maior provocação seja "o que é religião?" Eram os habitantes de Pandora religiosos? Eles tinham uma deusa (Eywa )?

A cientista Grace Augustine descobre que todos os seres vivos no planeta se interconectam, à semelhança dos neurônios humanos. Seres racionais se interconectam, racionais e irracionais, e mesmo racionais e vegetais. Esta descoberta é um modelo científico, mostrado pelas análises realizadas por ela, de diversos modos. Seria Eywa uma deusa, ou "meramente" um nó de intercomunicação entre todos os seres vivos? Os Na'vi se comportavam de modo religioso (por exemplo, as atitudes tomadas para a transferência de corpos, uma grande dança coletiva, regida por música), mas havia uma explicação racional e mensurável para o efeito. Seria Pandora, uma lua, um ser vivo e racional (como permite deduzir de sua participação na batalha final)?

Publicado em Crer é Pensar e divulgado no Genizah


Comentários de Danilo Fernandes sobre o filme e sobre James Cameron:


Eu não sei se foi excesso de expectativa (alheia) acerca do filme ou se foi a minha implicância com o James Cameron, mas o filme me fez olhar para o relógio algumas vezes. Se eu estivesse sozinho, tinha encurtado o programa.


Eu não topo o James Cameron desde que ele rasgou algumas dezenas de milhões de dólares (investimento pessoal do moço, diga-se) para tentar emplacar aquela falácia da descoberta do túmulo de Jesus... Lembram? Fizeram o maior estardalhaço, prometeram um filme blockbuster, arrumaram grandes cientistas para autenticar o embuste e no final a coisa toda virou uma tentativa ridícula de teoria da conspiração às avessas conduzida por um doublé de guia turístico e arqueólogo amador, um documentário (beeeem) esticado no Discovery Channel, onde a maioria dos entrevistados iniciava seus comentários com algo do tipo: se fosse; poderia ter sido; na hipótese de; na maior parte dos casos... Uma tremenda “vergonha alheia” de alguns “candidatos a cientistas famosos” constrangidos a conjecturar sobre abobrinha em troca de uns takes no que poderia vir a ser um filme global, não fosse apenas mais um roteiro de episódio de “mistérios da Bíblia” escrito nas coxas...

Fato é que já se sabia, há quase um ano antes de o documentário estrear, ser a tal grande descoberta apenas mais um túmulo, como tantos já encontrados da mesma época, quase uma amostra típica de nomes, procedimentos de sepultamento e construção do padrão do primeiro século. Contudo, o mesmo foi vendido como “relíquia rara” a um “inebriado pelo vício de conquistar marcos espetaculares” (embora talentoso) James Cameron.

Seja como for, assisti ao filme com todos os opcionais de fábrica, curti uns efeitos especiais, percebi que o filme vai mudar a história “técnica” da cinematografia, mas imagino que todo este aparato tecnológico poderia ter sido melhor empregado em um roteiro melhor... Sendo assim, concordo com Mark Carpenter que disse no twitter: Saw it on Imax in 3D, so I got the full effect of its mediocrity.

E para fechar, um pouco de mitologia grega, apenas para lembrar aos nossos leitores que caixa de mulher (da mitológica Pandora) ou bolsa (nos dias de hoje) não é coisa que se abra impunemente!

Afinal, desde que Hermes – não o nosso amado companheiro de subversão – mas o deus grego - pôs no coração da “primeira” mulher a traição e a mentira, após seus colegas (outros “deuses’) terem dado a Pandora as melhores qualidades (risos); abrir caixa ou bolsa de mulher é missão ingrata. Da de Pandora saíram todos os males do mundo, já das bolsas de nossas queridas companheiras, é sempre susto, confusão e aventura, risos. Só mesmo no filme de Cameron podia ser diferente...


http://www.genizahvirtual.com/


2 comentários:

SamiAguiar disse...

O pior é pagar $30 de cinema e descobrir por si só que o filme não é o pirulito! Dá pra aguentar? Bjo!

Anônimo disse...

Quer dizer que eu não perdi nada?
E que eu não joguei dinheiro fora?

Na voz do sr. Burns - "Excellent!"

Captain Forr

Avatar, o filme


Eduardo Ribeiro Mundim



Avatar, o filme, traz alguns pontos provocantes. Não há dúvida sobre o visual, belíssimo (seja natural ou da tela do computador). Aceito a adequação do idioma criado especificamente para os Na'vi. Entendo a propaganda que diz ser o filme um marco, do ponto de vista técnico.

Mas o roteiro peca, em alguns momentos importantes.

A solução militar não combina com a imagem paradisíaca do lugar. Ok, os Na'vi são guerreiros, mas não me pareceu que fazem da guerra uma arte. Antes, do saber viver integrado ao mundo que habitam, aceitando a caça como modo de adquirir alimento, sem deixar de sentir tristeza pelo fato - mas justificando-o pelo retorno da "energia" à fonte original. Como ele faz referência a outros universos (os livros "Eragon" e "O Senhor dos anéis", a trilogia "Matrix", o filme "Dança com lobos"), poderia tê-los criado vegetarianos como os elfos. Naquelas mitologias, guerreiros quando necessário, mas habitualmente pacíficos.

É particularmente irritante a cópia do comportamento estereotipado dos indígenas nos filmes de faroeste - o som emitido pelos Na'vi convidando para a batalha é plágio evidente.

Infelizmente Jake Sully torna-se um habitante de Pandora de "corpo e alma" por necessidade, e não por livre escolha. Talvez o maior erro do roteiro, preso talvez a "Dança com lobos". "Transfere-se" para seu avatar porque seu corpo não tem mais chances de sobrevivência na atmosfera de dióxido de carbono, metano e amônia. Poderia, de livre e espontânea vontade, rompido seus laços com os humanos ao decidir lutar, até a morte, contra eles. Muito além de uma "conversão" mais politicamente correta, deixaria clara a opção por um modo de vida, e valores, absolutamente diferentes daqueles no qual fora criado.

Sendo tão alicerçado nos faroestes, não há como escapar das lições da história: os brancos sempre venceram. Venceram porque tinha uma superioridade tecnológica e eram em número cada vez maiores que os índios norte-americanos. Venceram porque tinham uma ambição de expansão (a aventura) e uma justificativa (fazer dinheiro). Os humanos perderam, no filme, uma batalha; mas perderam a guerra? A solução militar encontrada fica provisória, com promessa de mais destruição (e provável derrota), se houver continuação; ou no imaginário do espectador, na falta desta.

A história também é presa ao maniqueismo habitual, onde aqueles que detêm o poder entre os humanos, nada aprendem. Nos últimos anos o conceito de "desenvolvimento sustentável" tem sido debatido e objeto de experimentos de viabilidade. James Cameron quis transmitir com o filme a expectativa que estes esforços atuais falharão? Desejou apenas fornecer momentos de entretenimento estético sem preocupação com o conteúdo, ou com alguma mensagem de esperança? Ou é basicamente pessimista? Pessimismo não é, exatamente, o que impulsionou seu último sucesso, "Titanic".

Há pelo menos uma provocação bioética: "vejam, um demônio com corpo mas sem alma" (segundo minha lembrança da cena), brada Tsu'Tey, futuro líder do clã Omaticaya. Quando Jake tem sua ligação com o corpo avatar interrompida, este desaba no solo, "sem alma". É possível criar corpos "sem vida" (ou seja, "sem alma"?). Como no primeiro filme da trilogia Matrix, é possível manter corpos funcionando sem vida relacional, onde os corpos, e não só a vida psicológica, está envolvida? (Em Matrix, os corpos que serviam como fonte de eletricidade para as máquinas eram mantidos em repouso, mas eles sonhavam que viviam, e se inter-relacionavam com os demais corpos apenas nos sonhos, sem envolvimento biológico real).

Mas talvez a maior provocação seja "o que é religião?" Eram os habitantes de Pandora religiosos? Eles tinham uma deusa (Eywa )?

A cientista Grace Augustine descobre que todos os seres vivos no planeta se interconectam, à semelhança dos neurônios humanos. Seres racionais se interconectam, racionais e irracionais, e mesmo racionais e vegetais. Esta descoberta é um modelo científico, mostrado pelas análises realizadas por ela, de diversos modos. Seria Eywa uma deusa, ou "meramente" um nó de intercomunicação entre todos os seres vivos? Os Na'vi se comportavam de modo religioso (por exemplo, as atitudes tomadas para a transferência de corpos, uma grande dança coletiva, regida por música), mas havia uma explicação racional e mensurável para o efeito. Seria Pandora, uma lua, um ser vivo e racional (como permite deduzir de sua participação na batalha final)?

Publicado em Crer é Pensar e divulgado no Genizah


Comentários de Danilo Fernandes sobre o filme e sobre James Cameron:


Eu não sei se foi excesso de expectativa (alheia) acerca do filme ou se foi a minha implicância com o James Cameron, mas o filme me fez olhar para o relógio algumas vezes. Se eu estivesse sozinho, tinha encurtado o programa.


Eu não topo o James Cameron desde que ele rasgou algumas dezenas de milhões de dólares (investimento pessoal do moço, diga-se) para tentar emplacar aquela falácia da descoberta do túmulo de Jesus... Lembram? Fizeram o maior estardalhaço, prometeram um filme blockbuster, arrumaram grandes cientistas para autenticar o embuste e no final a coisa toda virou uma tentativa ridícula de teoria da conspiração às avessas conduzida por um doublé de guia turístico e arqueólogo amador, um documentário (beeeem) esticado no Discovery Channel, onde a maioria dos entrevistados iniciava seus comentários com algo do tipo: se fosse; poderia ter sido; na hipótese de; na maior parte dos casos... Uma tremenda “vergonha alheia” de alguns “candidatos a cientistas famosos” constrangidos a conjecturar sobre abobrinha em troca de uns takes no que poderia vir a ser um filme global, não fosse apenas mais um roteiro de episódio de “mistérios da Bíblia” escrito nas coxas...

Fato é que já se sabia, há quase um ano antes de o documentário estrear, ser a tal grande descoberta apenas mais um túmulo, como tantos já encontrados da mesma época, quase uma amostra típica de nomes, procedimentos de sepultamento e construção do padrão do primeiro século. Contudo, o mesmo foi vendido como “relíquia rara” a um “inebriado pelo vício de conquistar marcos espetaculares” (embora talentoso) James Cameron.

Seja como for, assisti ao filme com todos os opcionais de fábrica, curti uns efeitos especiais, percebi que o filme vai mudar a história “técnica” da cinematografia, mas imagino que todo este aparato tecnológico poderia ter sido melhor empregado em um roteiro melhor... Sendo assim, concordo com Mark Carpenter que disse no twitter: Saw it on Imax in 3D, so I got the full effect of its mediocrity.

E para fechar, um pouco de mitologia grega, apenas para lembrar aos nossos leitores que caixa de mulher (da mitológica Pandora) ou bolsa (nos dias de hoje) não é coisa que se abra impunemente!

Afinal, desde que Hermes – não o nosso amado companheiro de subversão – mas o deus grego - pôs no coração da “primeira” mulher a traição e a mentira, após seus colegas (outros “deuses’) terem dado a Pandora as melhores qualidades (risos); abrir caixa ou bolsa de mulher é missão ingrata. Da de Pandora saíram todos os males do mundo, já das bolsas de nossas queridas companheiras, é sempre susto, confusão e aventura, risos. Só mesmo no filme de Cameron podia ser diferente...


http://www.genizahvirtual.com/